Então, como é que vai ser?

Pensei bastante e adiei mais ainda antes de mandar pro Bruno, que me fez o convite, meu primeiro texto pra essa coluna aqui do Periferia Invisível. Acho um projeto interessante e gostaria de dizer algo com relevância, então viajei entre várias temáticas que julguei importantes pro momento que vivemos ou coisas do tipo. Mas aí revirando as pastas que tenho aqui encontrei essa pequena crônica, escrita há uns dois anos, quando fui fazer uma atividade na EMEF Mailson Delane a convite da professora Marilda e ler esse texto me fez, no meio desse turbilhão de dizeres e quereres, lembrar um pouco da essência do que venho escolhendo fazer ultimamente, seja como escritor, como produtor cultural ou como educador. Então, pra minha estreia nesse espaço, nada melhor que voltar ao começo, deixo aí pra vocês:

Então, como é que vai ser?

“A gente quer fazer no dia cinco nosso primeiro sarau, e a ideia é que você explique pras crianças o que é um sarau e fale um pouco da literatura periférica.”, conversávamos no caminho.

Já tinha isso preparado em mente, mas como era minha primeira vez nessa escola, sozinho e com um público grande (sete turmas, se não me engano), perguntei tudo o que pude pra tentar me sentir o mais preparado possível.

Estava seguro e confiante, já havia feito isso em outras ocasiões, mas confesso que o friozinho na barriga era de igual tamanho, se não maior. A professora que havia me convidado, o tempo todo empolgada e ansiosa. “Os alunos não sossegaram a semana inteira quando souberam que você viria”.

Cheguei à escola, cumprimentei os funcionários e fui à sala dos professores aguardar ser chamado, conversando com a responsável pela sala de leitura, que me passava um pouco da experiência das crianças com a coisa ao mesmo tempo que expunha sua curiosidade em relação ao meu trabalho. “Você que é o autor? Nossa, você é novo, esperava um senhorzinho!”, disse a diretora ao me ver.

Quando cheguei no pátio e vi aquela imensidão de olhares curiosos, cochichos e perninhas balançando fui tomado por algo que não sei dizer o quê. Quando vi o primeiro cartaz levantado e então reparei todos os outros cartazes nas paredes com desenhos, trechos dos meus poemas e dizeres de boas-vindas feitos pelos alunos admito que foi muito difícil conter as lágrimas. Mas, não sei porque, mantive a compostura e iniciei a atividade.

Disse um pouco da minha curta história e carreira, que esperavam um senhorzinho de óculos e cabelo branco e encontraram um irmão mais velho. Me viram vestido provavelmente como seus próprios irmãos mais velhos. Riram. Disse que, uma vez, um amigo me contou de uma criança de outra escola ter se espantando ao vê-lo, “eita, existe escritor vivo?”. Riram, alguns balançando a cabeça do tipo “nossa, verdade isso né?”

Disse poesia. Soltei os livros. Todos de meus parceiros, todos irmãos mais velhos daquelas crianças. Eram poucos, disputados calorosamente pela multidão de alunos. Disseram poesia. A atividade aconteceu muito melhor do que eu esperava, o tempo voou. Eram duzentas crianças no pátio, que não passavam dos doze anos, atentas pra não perder um segundo. E não era desenho animado, não era o Luan Santana, a Anitta ou bronca geral da diretora. Era poesia.

Ao término eu mal conseguia andar. “Tio, olha meu cartaz!”, “tio, vamo tira uma foto?”, “me dá um ‘autrógafo’?”. Era um escritor na escola. Um escritor nunca tinha ido naquela escola. Os escritores mal sabiam como chegar lá, ou sequer sabiam que existia. Nem mesmo o ônibus chegava lá direito. Alunos que nunca tinham pegado na mão um livro. Pegaram na mão do escritor. Podia até não ser um grande escritor, mas era um escritor. Era história, fazia história. “Toda pessoa tem uma vasta literatura rica de ser contada.” Contaram pra Cidade Tiradentes que escritores não cabiam lá. Mentira. As mães, os pais, os tios, os avós, e boa parte daquelas crianças provavelmente não sabiam escrever o próprio nome, mas uma delas dizia, cheia de riso: “Tio, meu sonho agora é escrever um livro, pode pá”. E olha mal tinha aprendido a ler.

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