QUEM NÃO LUTA TÁ MORTA/O – bandeira da FLM – Frente de Luta por Moradia

Quando Bertolt Brecht (1898-1956), lá atrás, num momento que observado com desatenção parece estar muito distante, afirmava vivermos em “tempos sombrios”, parece fazer todo o sentido: o grande homem viveu um período de terror do entre guerras.

Naquele tempo, entre bombas caindo por vários cantos e as relações sociais menos midiatizadas, grande era aquele acontecimento em seu próprio momento contemporâneo.

Hoje, bombas seguem caindo por todos os lados, são postadas filmagens e fotografias nas redes sociais e tudo se torna tão cotidianizado que o próprio choque das civilizações transforma-se em banalidade do mal, não permitindo-nos tempo de análise e reflexão para o estranhamento.

Mais uma vez, fala o criador do senhor Keuner de que “é preciso estranhar tudo que é visto como natural”.

Numa análise da síndrome da era imagética em que vivemos, em que toda/os estão alegres o tempo todo e a vida até parece uma festa, rememorar Brecht ainda faz sentido?

Receber a notícia de uma reintegração de posse hoje, dia 16/09, dia em que escrevo, é mais-e-mais-uma-vez-outra-vez-nunca-acaba a certeza de nosso tempo sombrio- século XXI.

Não, não acaba.

Aos que virão depois de nós, não acaba.

É muita luta, o tempo todo.

“Esse é tempo de partido / tempo de homens e mulheres partida/os” Drummond

Quando já se esteve junto a um movimento de moradia, quando pode olhar pertinho as marcas nos corpos de senhoras que não descansaram nunca, que batalharam dia após dia na tentativa de uma vida digna (esta de que tanto falam), que no começo deste ano, numa nova ocupação eu pude observar uma delas arrumando uns paninhos no chão e se deitando para dormir antes que a polícia entrasse no prédio, ela dizendo que aquela era mais uma tentativa de tantas outras já feitas; quando se vê crianças apavoradas olhando a exata medida do terror da ação policial enquanto agarram de qualquer modo o pedaço de corpo que lhes sobram de sua mãe em pânico, já não somos mais a/os mesma/os. Algo mudou e mexeu fundo.

Estranhamento. Tempos sombrios. Desnaturalização.

Mesmo que inconsciente estes conceitos fazem sentido em quem os sente cara a cara.

Se era para chocar, tropa de choque, sim, ficamos em choque. Sua presença sempre nos choca porque ainda somos humanos, ainda somos sensíveis, ainda a luta de classes é questão central e, sim, acreditamos na mudança, mas não com sua presença.

Ficamos em choque porque não é esta a ação que queremos, vocês não fazem parte do novo mundo que buscamos construir.

Ao final, são mais de 200 famílias que perdem o teto de um prédio há mais de dez anos abandonado, mais um local servido ao bem da burguesia-elitista-especulação-imobiliária neste mundo tão desigual. Mais 200 famílias que hoje (16/09, dia em que escrevo), dia da reintegração, ficarão por aí, na cidade, sem cama, sem teto, sem nada. Só com os corpos cansados e outros tantos que foram encaminhados ao hospital ou à delegacia.

Mas seguimos em luta.

Tá foda.

Tempos sombrios, caro Brecht, ainda vivemos e os que virão depois de você já chegaram há tempos.

“Quem tá feliz é porque não tá entendendo nada – cartaz da Kiwi cia de teatro

Um comentário em “QUEM NÃO LUTA TÁ MORTA/O – bandeira da FLM – Frente de Luta por Moradia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *